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O que é política?

Por Renata S. Schevisbiski

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Quando o assunto é política, todo cuidado (epistemológico) é pouco! Isso porque a palavra é carregada de sentidos, ambiguidades e valores, os quais estão relacionados ao ponto de vista do(a) observador(a), de suas vivências e de sua cultura. Em geral, a primeira aproximação com o tema é negativa, pois a percepção comum é marcada por frustrações, afastamento, raiva, descrença, horror, desilusão...e tenho certeza de que lendo este post você acrescentaria outras palavras, outros termos, expressões e sentimentos de repulsa. Por isso mesmo, nesta edição do “Pergunta ao Prof” o tema é “Política” e a primeira preocupação foi compreender as visões que perpassam o senso comum, algo feito em reuniões no formato brainstorm. Neste primeiro diálogo, acontecimentos e personagens da trama política vêm à mente e sem que possamos nos dar conta, já estamos num “campo político”, pois falar ou não falar, fazer ou não fazer uso da linguagem e de palavras para exprimir o que pensamos ou o “que não queremos pensar” sobre política já é por si só político.


Estamos, então, diante do desafio de falar sobre política e, mais importante ainda, de compreendê-la! Mas como faremos isso? Como dizia Hannah Arendt (2011), filósofa política, não podemos ignorar os preconceitos sobre a política, pois justamente representam algo de político, uma vez que fazem parte das nossas vidas, são comuns a todos nós e refletem realidades incontestáveis. Ela nos diz, então, o que fazer: os preconceitos sobre a política não são juízos definitivos e revelam, inclusive, um desconhecimento sobre o que é política. Por isso é necessário recuperar o sentido da palavra e da própria experiência, os quais foram sendo soterrados ao longo dos problemas e crises que a perpassaram ao longo dos séculos e nas diversas formas de sociedade.


Mas como fazer isso, ou seja, como recuperar o significado de uma palavra que apresenta tantos sentidos e desperta tantas reações? O melhor caminho é a retomada do conceito e isso requer uma espécie de escavação arqueológica, na qual removemos – sem descartar – as percepções e preconceitos sobre a política para chegarmos ao que há por traz destes “sedimentos de sentidos”. E o que encontraremos? Como faremos esse trabalho de escavação e com quais instrumentos?


O trabalho, então, exige a escolha de boas ferramentas e elas devem estar à altura das exigências e das dificuldades que o perpassam. Os textos científicos e filosóficos sobre a política são os nossos instrumentais nesta empreitada e sua escolha permanece atrelada ao seguinte desafio: não ignorar a visão negativa e estereotipada sobre a política e, simultaneamente, buscar o que ela é e formas científicas para analisá-la.

Para problematizar as visões do senso comum, recorremos ao livro de Marco Aurélio Nogueira (2001), “Em defesa da política”, o qual esboça em minúcias o retrato negativo da política e nos permite compreender as razões que nos levam a esta percepção e como podemos resgatá-la. Dentre os fatores que levaram a atual crise da política temos: a personalização da política, o enfraquecimento dos partidos, o individualismo exacerbado, a espetacularização da política, a globalização e o neoliberalismo, a corrupção e a privatização do espaço público, bem como o mal funcionamento das instituições, entre outros aspectos. Na visão do autor, resgatar e sair em defesa da política requer o entendimento de que há várias políticas. Mas quais são elas? Há a política dos políticos (onde há simulação, dissimulação, coerção, cooptação e o poder é visto como um fim em si mesmo), a política dos técnicos (política sem política onde predomina a gestão e a técnica) e, por fim, a política dos cidadãos. Esta última é justamente aquela cujo sentido ansiamos, porque nela prevalece o debate público e a participação e na qual a virtude cívica se aprimora através do diálogo e da busca comum e pacífica pela resolução dos conflitos.


Essa ideia, então, nos levou ao verbete “Política” do Dicionário de Política de Norberto Bobbio (2007), texto que retoma a trajetória do conceito cuja origem encontra-se na pólis grega. Na Antiguidade Clássica, política denotava um conjunto de práticas deliberativas inerentes ao espaço público, uma espécie de poder comunitário, calcado na igualdade e na liberdade. Na origem do termo, portanto, encontramos uma prática democrática, uma referência à cidade e ao público.


Uma vez refeito o percurso e a trajetória do conceito, a última etapa consistiu em nos remetermos não somente às imagens negativas, mas àquelas costumeiras que associam a política ao ato de votar ou a um político no palanque. Nesta reflexão, a busca pelo sentido da política implica em reconhecer onde e como ela se manifesta em nosso cotidiano e em perceber quais são as referências mais comuns. Para além das imagens imediatas e buscando compreender quais são os mecanismos e lógicas que perpassam a política e como podemos analisá-los, escolhemos o artigo de Francisco Mata Machado Tavares e Ian Caetano de Oliveira, intitulado: “Omissões e seletividades da Ciência Política brasileira: lacunas temáticas e seus problemas sócio-epistêmicos” (2016).


Neste artigo acadêmico, além de discutir as pesquisas na área de Ciência Política, suas omissões e seletividades, conforme apontado no título, também há uma tipologia alegórica, cuja classificação explica as várias possibilidades de entendimento da política. As alegorias apresentadas pelos autores permitem compreender a política em quatro analogias: 1) a política como “gincana”, isto é, como um jogo orientado ao exercício da influência sobre o Estado; 2) ela também pode ser pensada em analogia à “reunião de condomínio”, onde está em curso processos decisórios formais abertos à participação (cidadã) direta; 3) a política também ocorre nos moldes de fluxos comunicacionais que circulam na esfera pública, como nas conversas em uma “cafeteria”; e, finalmente, 4) a política também está nos tumultos, nas insurgências e revoluções, nas manifestações simbolizadas pela imagem do “fogo no pneu”, recorrente em protestos. Cada alegoria, portanto, permite compreender as faces e as diferentes lógicas da política.


Falar de política, portanto, não constitui tarefa fácil, pois implica em lidar sempre e em toda parte com preconceitos, os quais não podem ser ignorados. O caminho epistemológico e metodológico que seguimos no “Pergunta ao Prof” foi incluí-los na reflexão, assumindo a postura de reconhecimento quanto aos problemas, dificuldades e crises que perpassam a política e que engendram visões negativas sobre ela, como também estratégias analíticas que permitem identificar o que há por traz dessas camadas de sentido e que ainda mobilizam as nossas paixões no sentido de buscarmos (re)inventá-la. Algo que, no entanto, requer ação e conhecimento, mantendo-se atrelada a busca por capacidade analítica, com instrumentais da Ciência Política.



Renata S. Schevisbiski é pós-doutora em Filosofia Política e doutora em Ciência Politica pela USP, Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL), coordenadora do PIBID e do Projeto Ensino de Política.



REFERÊNCIAS

ARENDT, H. O que é política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

BOBBIO, N. Dicionário de Política. Brasília: Ed. UnB, 2007.

NOGUEIRA, M. A. Em defesa da política. São Paulo: Ed. Senac, 2001.

TAVARES, F. M.; OLIVEIRA, I. C. Omissões e seletividades da Ciência Política brasileira: lacunas temáticas e seus problemas sócio-epistêmicos. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 19, p. 11-45, jan-abr., 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/dL8MbdhWSqw4ntVHR7pQfjv/abstract/?lang=pt. Acesso em: 01/06/2021.

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